Mestre Lo é o nosso entrevistado

Mestre Lo Siu Chung, em seu consultório, em São Paulo.

De Hong Kong para o Brasil...

Nascido em Hong Kong, China, mestre Lo Siu Chung vive no Brasil desde 1968. Versado em Wing Chun Kung Fu, Tai Chi Chuan, Acupuntura, Moxabustão, ervas medicinais e outros, aos 63 anos de idade mestre Lo continua bem humorado; é otimista, acredita na força dos sonhos, do querer. “O sonho dá força, empurra para frente...com a idade em que me encontro, mais de 60 anos, os meus sonhos hoje são diferentes, são mais sólidos; agora tenho mais tempo e cuido da minha clínica de acupuntura, das aulas de tai chi chuan, de wing chun...Quero conhecer mais o mundo, viajar, contribuir um pouquinho mais, poder beneficiar as pessoas”. 

Em entrevista, mestre Lo discorre sobre sua vida na arte marcial chinesa, sobre a prática em família, como era sua relação com o seu mestre Wong Wai Chung...enfim, das necessidades de se aprender kung fu naquela época. “Antigamente, quando não tínhamos armas avançadas dependíamos dos braços, das pernas...de bastões, de facas, espadas para defesa. Hoje em dia não praticamos somente com o intuito de autodefesa...isso devido ao surgimento das armas de fogo e de outras mais avançadas. Mas, em último caso, como qualquer animal a gente sente a necessidade de se defender em determinadas situações”, justifica. De acordo com o mestre, o estilo Wing Chun é aplicável em qualquer situação. Tanto para defender-se de uma agressão, como para resolver problemas na empresa (negócios), na escola, no lar. “Basta usar princípios do estilo!...se você precisa resolver problemas do dia-a-dia, melhor ir direto ao assunto. Se começa a adiar, “enrolar”, perde tempo!, até pode perder seus negócios...é melhor ser objetivo, prático e direto...”, alerta o mestre.

“Em Wing Chun tudo acontece naturalmente, sem pensar. É como comer! Todo dia você usa garfo e faca para comer...de tanto fazer isso você nem precisa pensar: faca é para cortar as coisas, garfo é para colocar comida na boca...você já não precisa pensar mais, nem pensar em esquerda, direita...quando não tem luz, tudo escuro, você não enfia, não tem medo de enfiar garfo no olho, na garganta...tudo já se tornou muito natural...”

Erasmo Deterra | Mestre Lo Siu Chung, de onde o sr. veio?

Mestre Lo Siu Chung | Vim de Hong Kong, uma colônia britânica situada no Sul da China.

Deterra | Isso foi em que ano? 

Mestre | 1968. Esse foi o ano em que saí de Hong Kong. 

Deterra | Antes de vir para o Brasil, o que o sr. fazia em Hong Kong? Com qual objetivo veio ao Brasil? 

Mestre | Antes de sair de Hong Kong eu trabalhava, mas nada muito sério...era mais um hobby. Exercia atividades de projetista, professor... Depois que conclui a faculdade, tentei uma bolsa no Canadá. Naquela época era tudo muito caro e eu não queria que o meu pai pagasse, bancasse os meus estudos..., infelizmente a faculdade me informou que para aquele ano não seria mais possível, só para o próximo. Mas como todo jovem, eu não agüentava esperar, não queria esperar, tinha pressa, então decidi viajar em busca de algo novo.

Deterra | O nome Brasil, era algo interessante? Já havia ouvido falar? 

Mestre | Sim. O meu padrinho já morava aqui no Brasil. Meu padrinho de batismo. Sempre que possível nos comunicávamos e, sabendo ele dos meus anseios, pediu-me para dar uma passada pelo Brasil, para conhecer. Eu concordei, achei interessante a idéia por ser o Brasil um país novo. Naquela época pouca gente conhecia, ou tinha interesse...só alguém curioso se aventuraria. Então decidi tomar um navio e vir para cá.

Deterra | O que fez ao chegar aqui? 

Mestre | Antes de vir ao Brasil eu já havia visitado vários outros lugares como Japão, Havaí, Los Angeles, Panamá, Colômbia, Venezuela... e por fim, Brasil. Achei a viagem muito interessante e, ao chegar ao Brasil, mais especificamente no Rio de Janeiro, pude sentir o País. Gostei do Rio, fiquei somente um dia. Mas ao chegar em São Paulo, fiquei um pouquinho desapontado com tanta burocracia imposta pela alfândega... Fui para Amparo, interior de São Paulo. Então comecei a estudar a língua portuguesa, eu não falava sequer uma palavra, dominava somente o chinês e o inglês. Depois de algum tempo consegui trabalhar em uma fábrica de tecelagem; eu era o responsável técnico, cuidava das cores, da pigmentação dos tecidos. Agora o trabalho era levado a sério, pra valer.

Deterra | E quanto à arte marcial, sabe-se que o sr. é mestre de Kung Fu, arte marcial chinesa. Como tudo começou?  

Mestre | Eu não tinha nenhuma idéia do que seria arte marcial...eu só conhecia o sentido MARCIAL. Naquela época a juventude (pelo menos a minha vida antiga), como qualquer juventude era um pouquinho rebelde, gostava de um pouquinho de encrenca, então a gente praticava somente para brigar, não para lutar, era para BRIGAR. Só depois que encontrei o meu mestre Wong Wai Chung (Greco Wong), isso já na faculdade, é que comecei a aprender de modo mais sério.

Deterra | Antes de iniciar com o seu mestre o sr. já havia visto academias e estilos diversos. Não teve interesse de praticar outros estilos? 

Mestre | Praticamente eu não freqüentei nenhuma outra academia...meus primos, colegas, meu pai, todos sabiam alguma coisa, autodefesa. Treinávamos entre família. Naquela época a gente aprendia luta para resolver problemas na rua, não praticávamos por mero prazer, era uma necessidade que tínhamos. 

Deterra | O sr. chegou a resolver algum problema?

Mestre | ...Ih, um monte! 

Deterra | Afinal, o que tem o estilo Wing Chun de tão especial, capaz de lhe despertar tanto interesse?

Mestre | ah...eu não compreendi...

Deterra | Como surgiu o interesse de treinar com o seu mestre? 

Mestre | Isso se deu quando eu cursava o primeiro ano de faculdade. Um dia eu estava no departamento de administração e lá havia uma pessoa que despertou em mim uma certa curiosidade. Todo mundo tentava agarrar, pegar, tocá-la mas ninguém conseguia! Ele reagia com maestria, com facilidade. Achei aquilo muito interessante. Através de um colega fiquei sabendo que ele era presidente administrativo dos estudantes. Fui então apresentado a ele e passamos a conversar, trocar idéias...então descobri que ele praticava Wing Chun. – Como você fala?, perguntou-me o mestre. (Tentei pronunciar o termo, mesmo de forma precária devida a grande dificuldade de se entender, ler, escrever e fazer soar os caracteres chineses). Wing Chun, é certo..., disse ele. Achei aquele nome interessante (continuou), parecia não ser um nome de estilo de luta, era um nome de mulher, feminino, de uma menina! Depois descobri que se tratava de um estilo marcial fundado por uma monja do templo Shaolin.

Deterra | Qual o nome da monja? 

Mestre | Ela se chamava Ng Mui. Esta monja havia saído de Shaolin após os ataques. A história conta que ela fundou o estilo com o intuito de complementar os outros estilos já existentes. Tempos depois essa monja veio a encontrar uma menina (jovem) de nome Yim Wing Chun, para quem passou a técnica do Wing Chun (naquela época o estilo ainda não tinha nome, o nome Wing Chun veio como uma homenagem à referida jovem)...e, foi ela a responsável pela difusão do estilo. Naquela época era considerado um estilo de família. Depois ela se casou e passou a técnica para seu marido. O esposo, que conhecia muita gente, muitos atores de teatro...normalmente, naquela época todos atores sabiam lutar, mas cada um com o seu estilo. Em um determinado dia o esposo de Wing Chun mostrou a eficiência do estilo...algumas pessoas ficaram impressionadas e pediram para serem aceitos como alunos (Baai Si). Em troca dos ensinamentos o marido da jovem aprendeu o manejo de armas como o bastão (Luk Dim Bun Gwan) e a faca (Baat Zaam Dou). Antigamente o wing chun não tinha arma, somente depois é que essas armas passaram a fazer parte do estilo.

Deterra | O seu mestre era reservado, teve dificuldade para lhe aceitar como aluno ou não?

Mestre | Naquela época o ensino já era mais aberto. O grande mestre Yip Man que fugiu da China comunista para Hong Kong, devido a ser de uma família rica (acabou perdendo tudo o que tinha) teve que recomeçar tudo, e para isso (forçado pelas circunstâncias da época) teve que sobreviver ensinando aquilo que ele sabia fazer muito bem: ensinar Wing Chun Kung Fu. Já em Cantão, um grupo de pessoas do Sindicato dos Trabalhadores de Restaurantes convidou-o a dar aula de wing chun. Assim ele começou a dar aulas publicamente, mas ainda de forma tradicional; não bastava alguém querer aprender, ele escolhia a quem iria passar seus conhecimentos. Naquela época, se o mestre não gostasse do aluno, mesmo sendo pago ele não ensinava tudo, e assim o aluno pouco aprendia, não aprendia como tinha que ser. No meu caso, naquela época o ensino já era mais aberto. Assim que conheci meu mestre Wong, comecei a me aproximar, chegar mais perto, conversar com ele...então, com mais três colegas fomos pedir ao mestre que nos ensinasse, isso lá na faculdade. Recordo-me que um deles era do departamento de Engenharia Mecânica, outro de Arquitetura...não me recordo a que departamento o terceiro pertencia. Eu era do departamento de Administração de Empresas...era calouro, primeiro ano. Lá tínhamos uma sala, um espaço de aproximadamente 35 m2, aproveitávamos o espaço e todos os dias a gente treinava com o mestre Wong. 

Deterra | Quantas horas por dia?

Mestre | A gente nem ligava para tempo, não nos preocupávamos com isso. Ás vezes ficávamos praticando o dia inteiro.

Deterra | Por quanto tempo o sr. treinou com o seu mestre? 

Mestre | Por mais de três anos. Treinávamos todos os dias...não era como aqui, não tínhamos horário, nem dias específicos, uniformes...naquela época não tínhamos outros afazeres, nem luxo como boates (danceterias, clubes) etc. Não tínhamos tanta condição para diversões, então, a gente fechava as portas e ia praticar wing chun.

Deterra | Assim que chegou ao Brasil o sr. começou logo a ensinar kung fu?

Mestre | Não. Nunca tive a intenção de dar aula, de ensinar. Nunca, nunca. Tudo que aprendia e continuo aprendendo é por chance e interesse (oportunidade) próprio. Eu tinha vários cursos...

Deterra | Querendo ou não o sr. começou a ensinar wing chun kung fu. O sr. era rígido, gostava de fazer o que fazia?

Mestre | Recordo-me ainda...quando cheguei ao Brasil, sempre praticava sozinho e o meu padrinho dizia: ‘você tem que aprender português, se misturar com as pessoas!’. Eu respondia: mas eu não falo português! Então me associei a um clube, lá no interior de São Paulo, não tinha outra coisa para se fazer...através do meu padrinho muitos ficaram sabendo que eu praticava kung fu. Naquela época pouca gente aqui no Brasil sabia o que era kung fu.

Deterra | Então o sr. é um dos pioneiros, senão o pioneiro, responsável pela introdução da arte aqui no Brasil?

Mestre | Eu não conhecia outra pessoa que dava aula aqui em São Paulo...então comecei a dar aulas. Começamos com aproximadamente 20 pessoas entre homens e mulheres. Eu não sabia falar português, como alguns falavam inglês eu me comunicava em inglês, falava por meio dos pés, das mãos. Mas eu não imaginava que o povo brasileiro tinha outra visão...eles pensam que as coisas são muito fáceis, que não são tão rígidas...daquele grupo de 20 pessoas restaram pouco mais de meia dúzia. Isso foi entre 1970 e 1971. 

Deterra | Fale-nos um pouco sobre as características do estilo wing chun, princípios de economia, simplicidade etc. 

Mestre | Em princípio o wing chun foi formado com base nas características de dois bichos (animais); não só características, em seus movimentos também. Seus princípios são baseados nas características da serpente e da garça. Esses dois bichos não atacam enquanto não forem atacados, só atacam se forem ameaçados. Ficam calmos, quietos. Mas quando eles precisam defender-se costumam agir de forma muito rápida e inesperada. Seus movimentos são curtos, compactos. A garça por exemplo, quando quer pegar algum peixe age com sutileza, com leveza, não assusta o peixe...mas quando aparece oportunidade ela ataca e pega o peixe no primeiro golpe. A mesma coisa acontece com a cobra. Ela não se mexe, permanece tranqüila, mas quando você tenta atacá-la você leva, ela te ataca primeiro. Ela ataca o alvo, não importa se sua presa está ao lado, na frente, atrás...ataca direto, de modo objetivo.

Deterra | É possível aplicar a filosofia do wing chun no dia-a-dia, na vida quotidiana? 

Mestre | Sim. Se você precisa resolver problemas do dia-a-dia, melhor ir direto ao assunto. Se começa a adiar, “enrolar”, perde tempo!, até pode perder seus negócios...é melhor ser objetivo, prático e direto. Primeiro porque você não perde tempo, e depois, você é sincero. Temos que encarar as situações frente á frente. Assim nada escapa. Aí está um dos princípios para se resolver os problemas do dia-a-dia.

Deterra | Wing chun é um estilo curto, simplificado. Muito difícil de ser compreendido. Quantos Kuen Zeoi (formas, rotinas) compõem o estilo? 

Mestre | Normalmente outros estilos tem “um monte” de kuen zeoi; kuen zeoi significa forma, série de movimentos. Mas o nosso estilo tem somente três formas, três kuen zeoi: Siu Nim Tau (pequena idéia), Zam Kiu (procurar a ponte, buscar origem do ataque, destruir o ataque), depois vem Biu Zi (dedos voando), esse já é mais violento, mais agressivo. Cada série, cada kuen zeoi é individual, é semelhante ao alfabeto. É como aprender o ABC. Depois que o aluno aprende as letras, o ABC, começa a formar palavras, depois frases... Um dia ele pode ser um bom escritor, escrever muito bem! No Wing chun é a mesma coisa: Você aprende movimento por movimento, depois começa a juntar o primeiro com o segundo, ou com o terceiro, o terceiro com o primeiro...você aplica conforme a situação, automaticamente, espontaneamente. Tudo acontece naturalmente, sem pensar. É como comer! Todo dia você usa garfo e faca para comer...de tanto fazer isso você nem precisa pensar: faca é para cortar as coisas, garfo é para colocar comida na boca...você já não precisa pensar mais, nem pensar em esquerda, direita...quando não tem luz, tudo escuro, você não enfia, não tem medo de enfiar garfo no olho, na garganta...tudo já se tornou muito natural.

Deterra | Mestre, além do wing chun o sr. domina outras artes como Tai Chi Chuan, medicina chinesa...fale-nos um pouco a respeito dessas artes.

Mestre | Além de praticar wing chun, eu também pratico Tai Chi Chuan. São essas duas artes que estou “pegando firme”, com afinco. Também pratico medicina chinesa tradicional. Sou especializado em acupuntura.

Deterra | Para que serve a acupuntura?

Mestre | É necessário falar um pouco da história. Através de escritos antigos, descobertos em túmulos sabemos que o uso de agulhas data mais de 4 mil anos. Antigamente, o uso da medicina era aplicado para o povo, em especial para os imperadores...trabalhamos com meridianos que são considerados como canais por onde passam energia vital conhecida como CHI. De acordo com a teoria, todos os órgãos são ligados a esses canais energéticos. Quando a energia não corre fluentemente, estagna em algum lugar, acontece o problema (doença), o desequilíbrio. Para fazer voltar ao normal o funcionamento desses órgãos, antigamente se usava ervas, moxabustão, massagem, acupuntura... Quando a agulha é inserida no ponto certo a energia volta a correr, fluir através dos meridianos restabelecendo assim, a energia vital. Assim a saúde é restabelecida.

Deterra | Mestre fala-nos um pouco sobre o chi, energia tão mencionada e buscada tanto nas artes marciais quanto na medicina tradicional chinesa.

Mestre | O termo chi, é traduzido como energia vital. Tem dois tipos de chi. O primeiro vem dos pais, ao nascermos; o outro é vem dos alimentos, daquilo que comemos ou bebemos...é uma manutenção do chi. Para continuarmos vivos, é preciso comer, mexer. Caso queira manter a saúde, deve-se buscar esse equilíbrio, sem exagero. Comer somente o necessário. Comer muita carne não é bom, muito vegetal também não é bom...tudo um pouco, equilibrado; não podemos abusar do organismo que temos.

Deterra | Voltando ao kung fu, antigamente aprendia-se para resolver problemas, defender a si e família. Com a chegada das armas de fogo, das armas químicas etc., como ficam as artes marciais? Por que aprender kung fu?

Mestre | Primeiro deve-se analisar a palavra arte. O que é arte? – pergunta o mestre - Arte para mim é qualquer coisa que tem um sentido bonito...bom. Já o termo marcial é usado para briga, para autodefesa. Se colocarmos ARTE junto com MARCIAL, já é um bom motivo para se viver, para se praticar qualquer estilo marcial. Além de servir para saúde, é algo agradável e de movimentos bonitos. Antigamente, quando não tínhamos armas avançadas dependíamos dos braços, das pernas...de bastões, de facas e espadas para autodefesa. Hoje em dia não praticamos somente com o intuito de autodefesa...isso devido ao surgimento das armas de fogo e de outras mais evoluídas. Mas, em último caso, como qualquer animal a gente sente a necessidade de se defender em determinadas situações (*portar arma é ilegal, e nem sempre é possível sacar uma arma). O kung fu era usado primeiro para atacar e defender, depois vinha a questão da saúde...hoje em dia é o contrário: primeiro busca-se a saúde, depois a autodefesa.

Deterra | Valeu a pena ter escolhido o Brasil para morar?

Mestre | Sim! O mundo é muito bonito, apesar de muitos terem o pensamento negativo. Se colocarmos um pouquinho de positividade, podemos ter um mundo bonito. Eu gosto de ver um mundo bonito, gosto de viajar. Depois que me formei comecei a viajar...permaneci no navio mais ou menos uns 50 dias. Gostei e fiquei no Brasil.

Deterra | Quanto aos planos, ideais?

Mestre | Quando jovem, todo mundo sonha. O sonho dá força, empurra para frente...com a idade em que me encontro, mais de 60 anos, os meus sonhos hoje são diferentes, são mais sólidos; agora tenho mais tempo e cuido da minha clínica de acupuntura, das aulas de tai chi chuan, de wing chun...Quero conhecer mais o mundo, viajar, contribuir um pouquinho mais, poder beneficiar as pessoas.

Deterra | Fale um pouco da sua família-kung fu.

Mestre | Como já disse, eu não tinha planos para dar aulas de kung fu...aprendi como um hoby, porque eu gosto. Não pensei em ganhar a vida dando aulas, por isso não percebi quem aprendeu, quem eram os alunos...muitos treinaram, uns foram embora, outros ficaram. Atualmente são poucos os que mantém contato, aquela relação de mestre e discípulo. Não basta que eu dedique o meu tempo. Se a pessoa não se considera parte da família, como posso considerar essa pessoa como parte da família? Alguém para fazer parte da família tem que se sentir como parte, não sou eu que devo ter alguém como parte da família. Vamos citar um exemplo: Certo dia (*isso em 1987) você Erasmo Deterra, parou diante de mim e perguntou: você é mestre? Lembra-se disso Erasmo?

Deterra | Sim. Recordo-me.

Mestre | O que eu falei?

Deterra | O sr. respondeu dizendo que nunca pediu a nenhum aluno para chamá-lo de mestre, as pessoas é que naturalmente lhe chamavam de mestre. Com o tempo percebi e compreendi que as pessoas é que devem reconhecer ou não alguém como mestre. O sr. nunca exigiu nada. Naquela época eu vivia no auge da rebeldia. Graças aos seus ensinamentos pude polir as minhas atitudes. Hoje sou lhe grato por tudo que tenho aprendido, por fazer parte da Família Lo de Wing Chun.

Mestre | Então...se a pessoa me considera, vê em mim valores, me tem como mestre (sem hipocrisia), então a gente o tem como parte da família. É como a família tradicional. Se o filho dá carinho, demonstra respeito para o pai...isso é família. Mas se o filho não dá importância para o pai, não tem respeito...não dá valor, aí não tem família. Por isso, quem pratica wing chun comigo e quer um dia fazer parte da nossa família, (fazer uso) aprender mais sobre a filosofia do kung fu, filosofia chinesa, como deve ser aproveitada cada técnica, eu estou disponível, sou franco e aberto. Se a pessoa se considera mais chegada a nossa linha de pensamento, eu considero da família.

Deterra | Mestre, por que existem diferenças entre as famílias de wing chun?

Mestre | Não estou entendendo sua pergunta...

Deterra Uma vez o sr. me disse: ‘quando você conta uma história para alguém, e aquele alguém conta para outro, para outro....assim que chegar na 10ª pessoa a história provavelmente vai estar bastante distorcida... Se a história não é contada corretamente, com o passar do tempo perde-se a essência, o verdadeiro significado. O que quero dizer é que se o wing chun não for corretamente passado correrá o risco de ser prostituído, transmitido de modo errado’.

Mestre | Então...Erasmo, você já respondeu a pergunta! Por isso sempre peço às pessoas que aprendem comigo para manter o que eu ensinei. Mas cada um tem um caráter diferente, um físico diferente...às vezes sempre têm um pouquinho de diferença, diferenças normais, aceitáveis.

Deterra | Mestre Lo, qual a sua relação com a AMECA (Associação de Medicina Chinesa e Acupuntura do Brasil)?

Mestre | Esta associação foi fundada mais ou menos em 1982. Naquela época a nossa intenção era somente de formar um grupinho de acupunturistas, mais ou menos umas 100 pessoas. Tínhamos duas intenções: uma era pedir a legalização da prática da acupuntura. Naquela época o brasileiro conhecia muito pouco sobre acupuntura. Alguns até pensavam que o tratamento com agulhas tinha alguma relação com macumba...a nossa intenção era provar, mostrar que a medicina tradicional chinesa funciona. Queríamos que o governo soubesse da existência desse trabalho. A nossa segunda intenção era desenvolver a técnica. A acupuntura é eficaz, econômica...queríamos contribuir um pouquinho como o povo brasileiro, por isso fundamos a AMECA. Naquela época eu fui convidado para ser membro, mas eu não podia pois não estava praticando a arte publicamente, somente entre amigos, conhecidos... primeiro porque eu não tinha tempo, depois porque não imaginei que teríamos pessoas interessadas como temos hoje. Eu praticava por prazer, interesse, por hobby.

Deterra | Qual a sua posição dentro da Ameca?

Mestre | Sempre participei dos trabalhos da entidade, mas não como parte da diretoria devido a dois motivos: primeiro porque eu trabalhava para uma organização do governo estrangeiro (Consulado Britânico), não podia ter outro cargo; por esse motivo sempre me mantive reservado. Atualmente estou tendo mais tempo, me foi concedida um pouco mais de liberdade e aceitei o convite de ser diretor da Ameca. Como diretor executivo da entidade estou tentando contribuir um pouquinho mais com o Brasil.

DA REDAÇÃO | Os interessados em conhecer o trabalho do mestre Lo podem acessar o site www.artechinesa.com. ou ir até a SI YUEN TON: rua Professor Antonio Arruda Malheiros, 37, Pinheiros | São Paulo, próximo à FNAC e Supermercado Mambo. Telefone para contato: (011) 3032 0486.